domingo, 12 de agosto de 2012

O primeiro encontro


Colo aqui o relato que escrevi sobre nosso "primeiro" encontro do grupo de pesquisa...

Encontro do Grupo de Pesquisa sobre o Feminismo
Dia 13 de abril de 2012

Cada uma ficou responsável por levar uma apresentação para as outras: Por que você está nesse grupo? O que te fez ter o desejo de pesquisar sobre o feminismo?
A primeira apresentação foi minha: Alice Nunes.
Mostrei um projeto escrito com algumas fotos de uma cena que produzi em 2011, chamada Vala Comum – Entre Parcas e Ofélias. Que relacionava o mito das três Parcas, mini-contos de Eduardo Galeano e a Ofélia de Hamlet-máquina.
Em seguida, mostrei o roteiro da peça de Teatro-Fórum que participei como dramaturga-atriz: As roupas de Alice. E também alguns vídeos que fizeram parte da apresentação. No Teatro Fórum um grupo apresenta uma situação de opressão: um personagem tem um grande desejo e os opressores o impedem de realizar essa vontade. No fim da cena os espect-atores são convidados a refletir sobre a história, os personagens e as relações de opressão apresentadas. Neste momento são incentivados a pensar em uma alternativa para a situação e, em vez de expor verbalmente sua ideia, deve entrar no espaço cênico, substituindo um dos atores, e testar na prática sua alternativa. A história contada na peça é minha, de situações que sofri por estar rodeada de homens e mulheres machistas. A cena tem um foco muito claro na relação da roupa que escolhemos e das “consequências” dessa escolha.
Essa experiência foi muito boa para a minha formação enquanto atriz, militante do Teatro do Oprimido e feminista: recebemos muitas críticas do público, entendi muitos erros, repensei a cena muitas vezes, foi um processo muito particular de transformação de uma menina para uma mulher. Esse tema ainda é muito delicado para mim, mas acredito que neste novo grupo poderei compreender melhor o que ocorreu e transformar todas as minhas opressões em arte, em propostas de mudança, em possibilidades de emancipação!
A segunda apresentação foi da Anita Cavaleiro, que sentiu semelhança entre minha história e a dela e aproveitou a temática. Nos contou sobre casos que passou recentemente de perseguição no metrô e no taxi, duas situações de machismo que a assustaram muito.
Também nos contou sobre algumas experiências no Centro de Diversidade, com uma amiga psicóloga. Comentou um caso comum nesse local e em outros momentos, um trassexual dizendo: “Sou muito mais mulher que você, faço a barba, tenho peitos e cabelos perfeitos… acho desrespeitoso você se dizer mulher sem ter que passar por tudo o que eu passei e passo todos os dias”, discurso que reproduz o machismo, o ideal de beleza feminino, ditado pela mídia, se refletindo também em mulheres transexuais e travestis.
Anita lembrou que muitas pessoas comentam que ela é uma pessoa muito delicada, porém, não muito feminina, o que faz com que ela se questione em vários aspectos: “Eu não sei se ser delicada é ser feminina. Se ser feminina é me parecer com uma mulher de capa de revista. O que é ser feminina?”
Depois nos mostrou um projeto seu de curadoria de uma exposição realizada em 2011, chamada “Conversa de Comadre”, no espaço artístico Lá em Casa, que contou com a participação de colegas artistas convidados a expor trabalhos sobre o feminino e suas nuances. Porém, alguns artistas, convidados a expor trabalhos já conhecidos preferiram mostrar novos trabalhos que, no olhar dela, pouco se encaixavam com a proposta: discussões sobre o feminino. A maior parte desses artistas que mudaram o projeto eram homens. O que instigou novos questionamentos a respeito do tema. E sua relação com a arte. Em anexo, está o projeto.
Em seguida, Amanda Massaro iniciou sua apresentação contando sobre sua amizade com um homossexual que produziu uma tese sobre a Nalu Faria e como ele a influenciou. Amanda disse que de todas as lutas, a feminista é a que ela mais acredita e gosta, ela se sente “no lugar certo” quando discute esse tema.
Revelou o desejo de relacionar nossa pesquisa e performance com o Estágio obrigatório do curso de Licenciatura, pois acredita que será uma produção interessante para participar e pesquisar.
Por fim, nos trouxe a peça “As Confrarias” de Jorge Andrade, que vamos ler para o próximo encontro.
A última, mas tão importante quanto as outras, foi Jessica Duran. Iniciou dizendo: “Na verdade, de todas as lutas, a luta de classes foi a que me tocou primeiro”, mas lista suas três principais bandeiras: a questão agrária, o feminismo e a luta contra o racismo. Quis entrar no grupo para aprofundar as questões e ter mais argumentos na hora de discutir.
Analisando a história que contei sobre o grupo que participei, ela questiona: “Como, em grupos que se dizem revolucionários, existem relações de machismo?” com um sorriso irônico, como quem quer dizer “nem tudo é perfeito!”.
Finalizou sua apresentação com um poema de Bertolt Brecht:

 A lenda da prostituta Evlyn Roe
Quando veio a primavera e o mar ficou azul
A bordo chegou
Com a última canoa
A jovem Evlyn Roe.

Usava um pano sobre o corpo
Que era bonito, bem vistoso.
Não tinha ouro ou ornamento
Exceto o cabelo generoso.

"Seu Capitão, leve-me à Terra Santa
Tenho que ver Jesus Cristo."
"Venha junto, pois somos tolos, e é uma mulher
Como não temos visto."

"Ele recompensará. Sou uma pobre garota.
Minha alma pertence a Jesus."
"Então pode nos dar seu corpo!
Pois o seu senhor não pode pagar:
Ele já morreu, dizem que na cruz."

Eles navegaram com sol e vento
E Evlyn Roe amaram.
Ela comia seu pão e bebeu seu vinho
E nisso sempre chorava.

Eles dançavam à noite, dançavam de dia
Não cuidavam do timão.
Evlyn Roe era tímida e suave:
Eles eram duros e sem coração.

A primavera se foi. O verão acabou.
Ela à noite corria, os pés eram sujas sapatilhas
De um mastro a outro, olhando no breu
Procurando praias tranqüilas
A pobre Evlyn Roe.

Ela dançava à noite, dançava de dia.
E ficou quase doente, cansada.
"Seu Capitão, quando chegaremos
À Cidade Sagrada?"

O Capitão estava em seu colo
E sorrindo a beijou:
"De quem é a culpa, se nunca chegaremos
Só pode ser de Evlyn Roe."

Ela dançava à noite, dançava de dia.
Até ficar inteiramente esgotada.
Do capitão ao mais novo grumete
Todos estavam dela saciados.

Usava um vestido de seda
Com uns rasgões e remendos
E na fronte desfigurada tinha
Uma mancha de cabelos sebentos.

"Nunca Te verei, Jesus
Com esse corpo pecador.
A uma puta qualquer
Não podes dar Teu amor."

De um lado para outro corria
Os pés e o coração lhe começavam a pesar:
Uma noite, já quando ninguém via
Uma noite desceu para o mar.

Isto se deu no fim de janeiro
Ela nadou muito tempo no frio
A temperatura aumenta, os ramos florescem
Somente em março ou abril.

Abandonou-se às ondas escuras
Que a lavaram por dentro e por fora.
Chegará antes à Terra Sagrada
Pois o capitão ainda demora.

Ao chegar ao céu, já na primavera
S. Pedro, na porta, a recusou:
"Deus me disse: Não quero aqui
A prostituta Evlyn Roe."

E ao chegar no inferno
O portão fechado encontrou:
O Diabo gritou: "Não quero aqui
A beata Evlyn Roe."

Assim vagou no vento e no espaço
E nunca mais parou
Num fim de tarde eu a vi passar no campo:
Tropeçava muito. Não encontrava descanso
A pobre Evlyn Roe.

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